quinta-feira, 3 de abril de 2014

O que um pronome é capaz



Breve gente seja dúvida.

Divagações sobre as ilhas

Autor: Carlos Drummond de Andrade

Quando me acontecer alguma pecúnia, passante de um milhão de cruzeiros, compro uma ilha; não muito longe do litoral, que o litoral faz falta; nem tão perto, também que de lá possa eu aspirar a fumaça e a graxa do porto. Minha ilha( e só de a imaginar já me considero habitante) ficará no justo ponto de latitude e de longitude, que, pondo-me a coberto de ventos, sereias e pestes, nem me afaste demasiado dos homens nem me obrigue a praticá-los diuturnamente. Porque esta é a ciência e, direi, a arte do bem-viver; uma fuga relativa, e uma não muito estouvada confraternização.

De há muito sonho esta ilha, se é que não a sonhei sempre. Se é que a não sonhamos sempre, inclusive os mais agudos participantes. Objetais-me: "Como podemos amar as ilhas, se buscamos o centro mesmo da ação?" Engajados, vosso engajamento é a vossa ilha, dissimulada e transportável.  Por onde fordes, ela irá convosco. Significa a evasão daquilo para que toda alma necessariamente tende, ou seja, a gratuidade dos gestos naturais, o cultivo das formas espontâneas, o gosto de ser um com os bichos, as espécies vegetais, os fenômenos atmosféricos. Substitui , sem anular. Que miragens vê o iluminado no fundo da iluminação?....... Supõe-se político, e é um visionário. Abomina o espírito de fantasia, sendo dos que mais o possuem. Nessa ilha tão irreal, ao cabo, como as da literatura, ele constrói a sua cidade de ouro, e nela reside por efeito da imaginação, administra-a, e até mesmo a tiraniza. Seu mito vale o da liberdade nas ilhas. E, contendor do mundo burguês, que outra coisa faz senão aplicar a técnica do sonho, com que os sensíveis dentre os burgueses se acomodam à realidade, elidindo-a?

Ei de confessar antes de tudo, que o benigno Carlos Drummond não está dentre os meus favoritos, nem mesmo na esfera literária brasileira. Prefiro Artur Azevedo, Carlos Pena Filho, Nelson Rodrigues, Ana Cristina César, Vinícius de Moraes, e alguns poucos outros a Drummond. Todavia, não isso significa que não o reconheço com um dos melhores, ainda que não me entusiasme.

Na noite desta quarta, em plena pós graduação. Eis que me surge Drummond novamente. O campo semântico foi a abordagem essencial da respectiva aula; tal que não muito me comoveu tampouco me despertou. No entanto, algo estava por vir no texto acima.

Quando reli ao sublinhar minha solidão, percebi o quão opulente era o uso dos pronomes que Drummond fazia com seus textos. No primeiro parágrafo, a tal ilha tanto trabalhada e fundamentada como ponto magno e crucial da obra, é tida como denotativa. E se toda palavra é uma metáfora, a ilha poderia vir a ser uma casa, bem como as sereias poderiam vir a ocupar o lugar das musas. A ilha existe apenas pelo fato do poeta designar um local ao qual ela estaria situada, portanto, o justo ponto de latitude e longitude.

Já no segundo parágrafo, a ilha é uma nuança se comparada ao trecho anterior. As palavras "sonho", "miragens", "irreal". O lado platônico, o outro mundo por assim dizer, denotam uma ideologia, ou melhor, um idealista. O que acende as chamas para uma pérfida realidade. É como Nietzsche frisava: "O idealista é incorrigível; se é expulso do seu céu, cria um ideal do seu próprio inferno".

E já que fiz alusão a Nietzsche, o mesmo amestra que temos que escrever em dez páginas, os que muitos escrevem em um livro. O filósofo alemão dá ao mérito da explicação o termo de aforismo. Inspirado no Nietzsche, tentei fazer a prática como congruência interpretativa. Repararam que o pronome "ESTA" está destacado em vermelho? Se você analisar que o que a ilha significa no primeiro parágrafo, saberá o que ela significa no segundo sem lê-lo, ou melhor, apenas lendo tal pronome. Se a ilha é tida como denotativa no primeiro trecho, será conotativa no segundo devido ao "ESTA". Se caso fosse "Essa" no lugar de "Esta", estaríamos comentando sobre a mesma ilha. Só se usa "Essa", Esse" ou "Isso", caso você já tenha ressaltado sobre a palavra que sucede o pronome, no caso, ilha. Com o uso do "Esta", Este", ou "Isto". A ilha não foi citada, portanto, é contrária do primeiro parágrafo aos olhos de Drummond.

É notório contemplarmos que ao fim, o autor utiliza "Nessa" retomando a ilha do mesmo parágrafo. Drummond é muito bom, apesar deste mero blogueiro não enaltecer a tanto o estilo do mesmo. E caso não tenham entendido, ou caso eu tenha me equivocado, o ponto. "Dentre as coisas mais seguras, a dúvida é a mais segura. Tenho ainda muito o que fazer, por isso, preparo meu próximo erro", Brecht. É isso.

Daniel Muzitano

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