quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Que triste para o Flamengo

À similitude do celular, atualmente utilizado para tudo, tirante para ligar, o livro, dantes usado com o fito fulcral da leitura, hodiernamente bem é consumido como um enfeite, papel de parede ou, vou além, fazendo as vezes de um cachorro. Sim, a Deborah Secco, na última eleição, levou seu livro do Nelson Rodrigues, notem bem, para passear e votar no Haddad. Rebus sic stantibus, a coleira até que nela cairia bem. Assim, quedê?
De mais a mais, e considerando que eu leio cerca de 30 livros por ano, o livro, para mim, não tem por especificidade apenas ser um ornato, haja vista que me auspicia avultado cabedal intelectual. À parte, hoje o prócer é um homem ignominioso, de maneira que bem vejo isso no jogo Flamengo x River, especificamente no Maracanã.
Desde anteontem, dentre vivos e mortos, eis que me chamam para acompanhar o prélio rubro-negro no Mário Filho, diga-se, com R$ 30 o ingresso e com shows dos analfabetos sintéticos Ludmilla, Buchecha, DJ Marlboro, Ivo Meirelles e o MC Poze. Paremos aí. Pensando eu que jamais teria o atrevimento de convidar um estudioso a algo assim, bem creio que o homem, na sua restrição, decerto vislumbra um livro como um apetrecho.
Demais disso, data venia, a pose hoje é um elemento de fortificação do brasileiro. Por conseguinte, gera ela a banalização, e, portanto, o aviltamento pessoal. Tudo é enxergado como tão-somente uma representação, e não como um objeto a ser indagado. Por fim, recordo aqui, Nelson Rodrigues e José Lins do Rego já vestiram a camisa do Flamengo, mas terminamos com um enaltecimento à Ludmilla. E isso é grave. E o Flamengo, o maior exemplo, é apenas o maior exemplo. Nossa cultura está à míngua. Estamos com febre. Febre! O triste, num país de Ludmillas, é um sujeito terminar um texto com uma "mera" anadiplose.
Daniel Muzitano

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

A goleada do empate

Em qualquer escrutínio minimamente frio e racional, nota-se que o trabalho de Luxemburgo, mais do mesmo e com pouco repertório tático, é apenas compatível com o investimento do clube, de modo que, financeiramente, está sim a equipe à frente de dez times outros. A contrario sensu, jornalistas, torcedores e a própria diretoria tratam o desempenho como algo magnificente. Ah, mas ele pegou o Vasco na zona - dizem os inocentes. De fato, porque o trabalho anterior, além de não ser propício ao investimento cruzmaltino, era demasiado lânguido.
De mais a mais, o mérito do Vasco, sobretudo na noite de ontem, tem sido jogar concentrado e com uma disposição sem igual. Fiquemos por aí. A propósito do Flamengo x Vasco, foi a pior partida rubro-negra, no quesito defensivo, desde a chegada de Jesus. Todos os gols do Vasco estão atrelados a erros, coletivos ou individuais, do setor supracitado. E não me venham os falsos pudicos mencionar que foi o melhor jogo do campeonato. De parte a parte, o prélio foi caracterizado por mais erros do que acertos.
Grosso modo, vale chamar a atenção para o fato de que o Flamengo, irresponsavelmente, tem menoscabado equipes em situação ruim ou mediana, como foi contra a Chape, Csa, Goiás, Botafogo e Vasco, algo extremamente perigoso numa reta final. In terminis, mesmo sendo flamenguista, é deplorável ver um clube como o Vasco comemorando um empate, vindo aos trancos e barrancos, como se fosse um título mundial. O Vasco, vale dizer, não vence um jogo contra o Flamengo há anos, tal como uma final contra o mesmo Flamengo há décadas.
Para de fato fecharmos, fiquei acostumado, em minha infância, a ver o Vasco brigar por algo grande, e não celebrando campanhas medianas e um empate transcendental. No mais, a arbitragem foi boa e os destaques de ontem foram Yago Pikachu, que fez uma luzente jogada no segundo gol, e o Bruno Henrique, decerto o melhor jogador do país hoje. Fim.
Daniel Muzitano

terça-feira, 12 de novembro de 2019

"Que mulher escorchante"

Como tudo que temos visto, e rebus sic stantibus, hoje estive a refletir como o meu dia, em confronto com as massas, destoa sobremaneira. A propósito, fiz minha corrida habitual, corrigi alguns artigos, gravei um vídeo sobre certos étimos, tive um bate-papo acerca da possibilidade de a etimologia ser um método de alfabetização, malgrado haver para tanto muitos pontos, e, não menos importante, incuti Nelson Rodrigues neste final de tarde.
A bem da lógica, os anos de morte de Nelson superam meus anos de vida, ou seja, como pode, nessa singela antítese, existir tamanho entendimento entre nós dois? As teses, que página a página imerjo, tirante serem de feitios suntuosos, ficarão como segunda instância. Dado o relato, Nelson usou o vocábulo escorchante, e, perdido na foto de uma mulher excepcional, não pude ver qualquer lucidez feérica sobre a palavra. Afinal, o que seria escorchante?
De supetão, bem fui cortando os entornos da expressão, id est, o prefixo es- decorre de ex-, que por seu turno designa "fora". O sufixo -ante, "ação, qualidade ou estado". Restava desvendar corcha, que após consultas descobri que era "casca de árvore". Grosso modo, e etimologicamente, escorchante é a ação de colocar para fora a casca da árvore. Na definição atual, diz o Caldas: "que arranca a corcha ou a pele". Matamos a lógica, certo? Errado!
Por fim, restara ainda um senão, com o uso do mais-que-perfeito, claro. Por que Nelson chamou uma mulher de escorchante? O adjetivo evoluiu para "preço abusivo", e, por conseguinte, para " algo exorbitante". Agora parece que concluímos. Ah, escorchar provém do latim excorticare (descascar), embora outros digam que a origem esteja no espanhol escorchar (tirar a pele). Enfim, dá no mesmo. De mais a mais, posso antever meu próximo encontro com a mulher venusta: "é um prazer escorchante conhecê-la". Nelson, para todos os fins, é genial. E mais, valeu por hoje cada linha. E há quem goste de Chico Buarque, do Pasquale etc. Que Deus te perdoe.

Daniel Muzitano

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Eterno passado

Sem prejuízo da lógica, consumindo leituras de tipos vários, o Brasil, em sua imaturidade inefável, bem pode ser compreendido como o país do passado. A expressão é elevadamente abjeta, mas cicia no imaginário de cada homem digno de nota. Lato sensu, leiam passado em matéria comportamental, e não como um mero ornato que respeita as belas tradições.
Em sua realidade jucunda, bem cabe a ironia, o brasileiro eliminou de sua vida o choro, o samba, a música erudita. Em contrapartida, mesmo com todas as ditaduras séculos antes tendo implementado o desarmamento, exempli gratia, discutimos, por mais de 50 anos, se isso é válido ou não. E é aí que reside o nosso subdesenvolvimento: na alma. Em vez de debaterem o desarmamento, países desenvolvidos o rejeitam e simplesmente discutem como se dará o uso das armas.
Ao par, o futebol brasileiro hoje aposta no que apostou em 1958, id est, na individualidade técnica. Em mais de 60 anos, decerto abolimos a tática e não evoluímos uma vírgula sequer nesse ponto. Portanto, somos o eterno passado, a infinita ignorância melíflua e risonha, pois a cegueira para com nosso passado estará nos próximos 20, 50, 60 anos. A acrescentar, há 50 anos pelo menos estamos discutindo o domínio das esquerdas e se estarão elas aptas, mesmo com experiências trágicas em todas as pautas existentes.
In terminis, o Brasil é o erro perpétuo, a pose tola e a caricatura ignóbil, a saber, incapaz de aprender com os próprios erros. A etimologia, como outro exemplo, tem milênios de vida, porém aqui sequer nasceu. Com o que vimos, o Brasil vilipendia a evolução, e, quando resolve mudar, opta por algo pior do que o seu passado, ao menos mais das vezes. Entretanto, para não sermos injustos, a Argentina tem uma ridicularidade ainda maior, de maneira que tal consegue ser pior em matéria de passado. Triste é o continente sem norma-padrão. Triste é o país do eterno passado.
Daniel Muzitano