domingo, 19 de janeiro de 2020

A arrogância no duplipensamento de Orwell (sobre a minha suposta altivez)

Lato sensu, pelo fato de eu demonstrar um conhecimento cultural acima da média, sobretudo no que tange à etimologia, amiúde sou rotulado de arrogante, e não tão-somente pela arraia-miúda. Assim, propositadamente ou não, o brio, a autoconfiança e o amor à profissão, mais das vezes, são aspectos confundidos com a dita pesporrência.
Ipso facto, bem vejo a arrogância, tal como ocorre com o discurso de ódio, sendo utilizada de forma ambígua, e, dependendo de quem a usa, com caráter positivo ou não, casando-se com aquilo que Orwell denomina de duplipensamento. Portanto, se duas pessoas dizem que são as melhores naquilo que se propõem, aquela que faz parte do grupo que detém o poder é vista como séria e segura. A que não faz, como alguém que carece de humildade.
Demais disso, vejo o duplipensamento como algo consolidado no diálogo nacional, ainda que o artifício esteja mais acentuado em alguns vocábulos, tendo para tanto as chamadas palavras-chave. De mais a mais, o latim arrogante vem de arrogare, termo que faz as vezes de atribuir. Desse modo, a lógica de atribuir refere-se ao fato de que existe a autoatribuição de características positivas por parte das pessoas; explicação, logo, que faz com que a claque falsária determine ou não o que é ser arrogante, conquanto haja contradições no apontamento.
Por fim, pesquisas apontam que cerca de 80% da população não passa de dois livros num ano, e, por conseguinte, não tem condições intelectuais de debater comigo acerca de diversos temas. E isso é puramente um fato. Entretanto, por se tratar de Daniel Muzitano, passa a ser arrogância. Bom domingo a todos.
Daniel Muzitano

sábado, 4 de janeiro de 2020

Ignorar o passado

Especificamente no imaginário cultural brasileiro, há um fito permanente de o povo aformosear a favela, com' se fosse o local uma exacerbada referência estética. Assim, em vez do conceito de um lugar com péssimas condições para se viver, sem contar as depravações culturais e morais, deposita-se com ela um ar farisaísta de "palco cultural", por sua vez refocilado na banalização da arte.
Menoscabando um pouco a Semana de 22, Marcel Duchamp e os sambas e as letras da MPB de enaltecimento para com a "graça" do morro, também responsáveis por esse teatro infindável, Ortega y Gasset dizia que selecionar é excluir, e, mais além, alcançar o grau magno de referência. Pari passu, George Orwell credita ao controle total de um povo a obliteração de seu bom passado.
Data venia, a favela não seguiu com a opulência de seu samba, atrelada sobretudo em gênios da estirpe de Cartola, por seu turno dando lugar à falta de criação nesse segmento, bem como aos gêneros do funk e do pagode. De mais a mais, ninguém imagina os nomes de João Pernambuco, de Ernesto Nazareth e de Dilermando Reis, por exemplo.
Por fim, além desse lapso referencial, foi infundido no povo o famoso duplipensamento do livro de 1984, donde se conclui que, consoante meu fim primevo, a favela pode ser bela ou feia, de maneira que a ambiguidade está sempre a serviço do plano outro da vez.
Daniel Muzitano