sábado, 4 de janeiro de 2020

Ignorar o passado

Especificamente no imaginário cultural brasileiro, há um fito permanente de o povo aformosear a favela, com' se fosse o local uma exacerbada referência estética. Assim, em vez do conceito de um lugar com péssimas condições para se viver, sem contar as depravações culturais e morais, deposita-se com ela um ar farisaísta de "palco cultural", por sua vez refocilado na banalização da arte.
Menoscabando um pouco a Semana de 22, Marcel Duchamp e os sambas e as letras da MPB de enaltecimento para com a "graça" do morro, também responsáveis por esse teatro infindável, Ortega y Gasset dizia que selecionar é excluir, e, mais além, alcançar o grau magno de referência. Pari passu, George Orwell credita ao controle total de um povo a obliteração de seu bom passado.
Data venia, a favela não seguiu com a opulência de seu samba, atrelada sobretudo em gênios da estirpe de Cartola, por seu turno dando lugar à falta de criação nesse segmento, bem como aos gêneros do funk e do pagode. De mais a mais, ninguém imagina os nomes de João Pernambuco, de Ernesto Nazareth e de Dilermando Reis, por exemplo.
Por fim, além desse lapso referencial, foi infundido no povo o famoso duplipensamento do livro de 1984, donde se conclui que, consoante meu fim primevo, a favela pode ser bela ou feia, de maneira que a ambiguidade está sempre a serviço do plano outro da vez.
Daniel Muzitano

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