sexta-feira, 13 de março de 2020

Acordo de somenos


Ainda que eu já tenha enfatizado o meu amplo contempto pelo Novo Acordo, sempre que ouço ou leio a expressão pai dos burros, estua em mim uma espécie de crítica interna, de maneira que me sinto no dever de proliferar meu extremo descontentamento. Antes de vir à tona o abjeto Acordo e de ele estiolar a nossa alma, havia uma distinção entre pai dos burros, literalmente pai dos burros, e o pai-dos-burros devidamente hifenizado, fazendo as vezes de dicionário. Conseguintemente, não havia qualquer possibilidade de ambiguidade em construções quaisquer.

De mais a mais, nota-se que os "sábios" da nova regra rejeitaram, impreterivelmente, as funções primordiais do hífen, isto é, extirpar ambiguidades e/ou produzir um novo sentido, um novo corpo, mediante dois ou mais termos. Para tanto, vale lembrar de que hífen deriva do grego hýphen, logo, um só corpo. Com isso, a fim de esmiuçarmos a necedade do novo texto, cujo pai é o falecido Antônio Houaiss, vamos a um exemplo: "o pai dos burros faleceu".  

Refiro-me ipsis litteris (literalmente) ao pai dos burros ou ao dicionário? Graças ao Novo Acordo, pois bem, não conseguimos ter essa ciência. Em síntese, batizo o Novo Acordo, sem ter o intento da crítica gratuita, de delirium tremens, expressão de origem latina e que é compreendida como delírio de um alcoólatra. Delírio de um alcoólatra é uma belíssima anadiplose para findarmos esse texto heroico; palavra, logo, que deixou de ter importância, afinal, também graças ao Novo Acordo, perdeu sua vida, seu respectivo acento. Hasta pronto

Daniel Muzitano  

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