Por conseguinte de um continuum, quisera o tempo que eu findasse a leitura de um livro de Nelson, a saber, no dia em que o dito-cujo completaria mais um inverno. A pátria em chuteiras, obra-prima para os que enaltecem um texto sem igual, faz de todos os leitores meros vassalos de cada vírgula, de cada análise, de cada exasperação do autor.
Nelson foi capaz de ressaltar, por exemplo, que a Inglaterra, depois da copa de 66, nunca mais venceria nada. De modo a não cometer nenhuma sem-razão, o escritor foi o único capaz de trazer elementos do dia a dia, nunca promulgados por qualquer alma, ao futebol, haja vista que tais explicitam a arte, diga-se, em sua melhor perspectiva.
Em síntese, ler Nelson Rodrigues é como possibilitar a ressurreição de Cristo. Nem o piano de Claude Debussy, por assim dizer, consegue formular tanto ato homérico, a fim de ressaltar a expressão latina de um dicant paduani. Por fim, Nelson, penso agora, deve ser uma bíblia àqueles que se propõem a locupletar com a solitária solidão.
De mais a mais, o ponto-chave é que Nelson faz de nossas hodiernas mesas-redondas uma espécie de encontro de simplórios. Envelheci 40 anos em 15 dias e fui capaz, ainda que sem conhecê-lo, de sentir saudade de um tempo que não vivi. Parabéns, Nelson. Uma pena que para cada gênio nasçam 60 mil imbecis. Você é eterno.
Daniel Muzitano